Como num jogo de vídeo game, estamos passando para uma segunda fase deste momento de pandemia. Aqueles que sobreviveram à fase 1, passam para a fase 2. Os que faleceram, seguirão em nossas memórias e corações de maneira certamente indelével e diferente. Passados os três últimos meses vivenciando o impacto das transformações, adaptações, ajustes e novidades, medo, pânico, pavor… agora começamos a entrar na fase de perceber que a realidade, por um tempo – talvez longo- deverá permanecer assim.
Deve, pois tudo é incerto. Diferente – certamente.
Nos ajustamos, nos reorganizamos, nos reinventamos naquilo que era necessário, com maior acesso e dependência à tecnologia, e com grandes reflexos em nosso comportamento daqui para a frente.
Aquela sensação de esperança de que “daqui a pouco passa”, pode começar a ser impregnada por uma tinta mais escura, sombria…de que “ainda vai demorar”. Sentimentos de ansiedade, desespero, desorganização que naquele momento inicial se instalam, dão espaço aos poucos para possíveis estados depressivos – patológicos ou não. A presença visceral, de que a tristeza de termos que continuar assim, isolados, com medo e incertos do futuro, se torna mais concreta. E as noites escuras da alma começam a aparecer com mais frequência em nossas casas.
Uma parte de nós, que nutria a esperança, poderá ser invadida por essa desesperança. Precisamos continuar fortes, nos apoiando, nos cuidando, sendo flexíveis nos momentos de tristeza, mas continentes e atentos à sua duração. Como manter esses malabarismos por mais tempo? Será necessário continuarmos nos reinventando, descobrindo, ou apenas mantendo aquilo que já descobrimos e que nos faz bem à alma. Pelo nosso bem e por um bem maior: o social. Alguns engatarão terapias antigas, outros, novas, mas de alguma forma, precisaremos olhar para nossa saúde mental.
Raiva, ódio, tristeza, desilusão, impaciência, apatia, cansaço, dores no corpo…tudo isso faz parte desse cenário. Importante reconhecermos; termos espaço e darmos espaço também aos nossos filhos para que também se sintam tristes, e também cansados. E que mantenhamos firme ao impulso de não ceder ao fato de querer preencher rapidamente essa tristeza, ou vazio com comida, jogos, ou coisas novas – principalmente com gadgets comprados online.
Um ano perdido? Prefiro a ideia de talvez um ano ganho. Ano sabático, em que trancamos os estudos ou o trabalho e aproveitamos para conhecer o mundo. Dessa vez, ao invés de irmos para fora, viajaremos para conhecer melhor o nosso mundo interno.
Há aqueles que passeiam, sem nunca chegar a realmente a mergulhar nas profundezas. Esses não viajam.
Podemos passar pela pandemia assim: como “passeiantes” que sofrem pela falta da comida que tanto amam em suas casas e de suas mães e nunca estão satisfeitos com o novo, devido ao apego ao antigo…ou como viajantes que se aventuram a largar da saia da mãe e apesar do medo, experimentam o novo – gostando ou não. Mas experimentam. Enfrentam – respeitando seus limites, decidem o que comer, o que vestir, aonde andar e onde ir. Mas isso ocorre somente após o processo de se permitirem sentir as sensações daquele novo lugar, de mergulharem naquela forma diferente de ser e de viver.
Podemos nos inspirar nesses últimos e ganharemos certamente novos rumos para dentro de nós mesmos. Para dentro de nossa natureza HUMANA. E não precisaremos nem mais de fotos, nem de selfies, pois essa memória estará registrada em nossa alma e então será indelével.
Perceber-se apto e habilidoso, ou inapto na educação dos filhos, em controlar nossas ansiedades, em dar vazão às alegrias, às tristezas, às emoções…. Reconhecer-se um bom jardineiro, um bom cozinheiro, um bom contador de histórias, uma boa pessoa, uma pessoa altruísta, mas também egoísta, um belo de um reclamão, um depressivo de mão cheia, obsessivo com limpeza, arrumação e organização, obsessivo pela perfeição…enfim, perceber-se.
Deparar-se verdadeiramente nas mais diversas situações às quais seremos expostos, já é um primeiro grande passo para dentro. Um segundo é se perguntar: porque faço assim? Como aprendi isso? Isso me faz bem? Eu sempre fiz isso? Desse jeito ou de outro? Gostaria ou precisaria mudar algo? O que? Para que? Enfim…quais são as minhas expectativas com relação a mim mesmo? E por consequência: quais são minhas expectativas com relação ao meu filho nesse momento?
Apenas nesse momento.
Momento esse em que a morte paira tão perto, e que respira tão profundamente chega a fazer barulho. A experiência prática e a literatura mostram que refletimos melhor sobre aquilo que realmente é prioritário em nossas vidas quando ela ronda por aí. E quando falo prioritário não quero dizer que uma coisa seja mais importante que a outra, melhor ou pior, não se trata de dualidades ou comparações, mas apenas de prioridades e “essencialidades”.
Aquilo que é essencial, permanecerá. Enfim, uma bela oportunidade para fazer uma viagem para dentro de nossas vidas e de nossos filhos consequentemente. De deixar lixo na lixeira, de reciclar conteúdos. De conhecer novos mundo dentro de sua própria casa. Um ano sabático certamente.
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