O que esperar de nós mesmos e de nossos filhos neste início de retomada do convívio social?
Enquanto adultos, ainda estamos com medo, incertos e inseguros sobre o funcionamento deste vírus e o adoecimento que com ele vem. Somos inundados por descobertas, mas continuamos preocupados quanto à garantia e interesses destas. Enquanto pais, estamos há 05 meses, tal qual soldados em front de batalha, aprendendo a lidar com as intempéries do dia a dia de uma situação de isolamento social, pandemia, mortes em grande escala, crise econômica e social e acima de tudo: medo de morrer.
Driblamos todos os dias as balas e tiros de canhões vindo de lugares inesperados: seja do trabalho, do relacionamento conjugal, da escola ou dos filhos. Mas é certo que também encontramos momentos de trégua em lugares impensados destes mesmos atores que vivem dentro e fora de nós: um desenho novo que seu filho fez, uma promoção que chega, uma noite bem dormida, um bebê que nasce, uma nova habilidade que percebemos, uma flor que desabrocha.
A convivência com os filhos que antes era intermediada majoritariamente pela escola e pelos especialistas voltou ao lar. Assim, nesse isolamento, pudemos perceber mais claramente em nossos filhos um espelho de nossos próprios sentimentos, emoções, reações e meios de enfrentar esse momento tão particular que vivemos.
Muitas crianças relatam a alegria de brincarem finalmente com os pais! E isso não fala de uma distância de antes? Silenciosamente sentida e agora finalmente verbalizada?
A retomada do lar e o presente início da abertura de atividades sociais nos traz alguns questionamentos, tais como:
- Será que meu filho precisa ficar períodos tão longos na escola ou será que um pouco de casa está fazendo bem para ele e para nossa convivência;
- Como anda minha conexão com meus filhos? Com sinal bom, com ruídos, ou precisando de ajustes;
- Porque meu filho vai à escola – ela é necessária e para quê;
- Como posso continuar próximo do meu filho após a retomada social;
- Socorro, preciso de ajuda para criar meu filho, percebi que não estou dando conta sozinho;
- O que eu faço com meu medo de mandar meu filho de volta à escola e com o medo que ele sentirá ao voltar para a escola;
- O que será que meu filho perdeu nesse isolamento?;
- O que será que ficará disso tudo?;
- Isso tudo será um trauma para meu filho?
Estas são algumas reflexões entre muitas outras que aparecem. Perguntas que muitas vezes nos angustiam, principalmente, pela falta de resposta concreta e imediata.
Conversas neste momento são fundamentais, ainda que no formato online. O compartilhar nos permite falar, ser ouvido e pensar em soluções para nossos problemas, ainda que seja apenas no fato de ser acolhido em minha tristeza. Isso faz bem à alma, nos retoma à nossa primeira infância, na qual, enquanto bebês, éramos apenas acolhidos e confortados pelos nossos pais ou cuidadores. Nos remete à sensação de proteção do grupo às ameaças…lá do tempo do homem das cavernas.
Assim, todos nós, diante de uma situação que ameaça à vida, temos a tendência a regredir, talvez uma forma instintiva de retomar os cuidados iniciais e encontrar nele, as forças para lutarmos e prosseguirmos. Uma criança que regride precisa ser reassegurada que está tudo bem e que ela pode voltar uns passos para trás e que quando der, ela retomará a caminhada dela para frente.
Afinal, ela já foi para frente e sabe como ir novamente! Mas regredir é uma forma de pedir colo, escuta, cuidado, acolhimento e paciência.
Crianças pequenas podem apresentar distúrbios do sono, distúrbios alimentares, comprometimento da fala como a gagueira, comprometimento na atenção, acessos de raiva mais intensos, fobias sociais, voltam a fazer xixi na cama, perdem o controle do esfíncter, muitas vezes já adquirido, como sintomas, ou seja, uma forma para dizer que algo dentro delas não está legal e ela está precisando de ajuda para ser reorganizado.
Esta ajuda, às vezes precisa ser de um especialista para a criança, às vezes para os pais, mas muitas vezes, apenas dos pais com pequenas orientações já pode ajudar.
É inquestionável para teóricos da psicologia que os pais são os principais responsáveis pela criação dos filhos; enquanto seres humanos, sociais que somos. Mas também é de grande importância partilhar e dividir algumas etapas para ensinar os filhos a crescer, sendo a escola apenas uma destas ferramentas.
Mas, afinal o que se espera de uma criança que frequenta um jardim de infância? O que se espera da educação infantil nesse momento de reorganização?
Talvez que dê suporte aos pais para como lidar com os filhos em alguns momentos pontuais; talvez compartilhando um pouco do que fazem e nos ensinando a sermos mais coesos com a proposta educativa e a proposta de convivência em casa. Sem excessos ou fanatismos, estamos falando de princípios. Do porquê escolhemos uma escola para nossos filhos e não outra. Do porquê escolhemos uma nutrição e não outra. E de tantas outras escolhas que não caberiam aqui.
Escolhas implicam em perdas, em abrir mão de algo. Não necessariamente porque uma coisa é melhor do que a outra, mas porque muitas vezes é aquilo que podemos ou precisamos fazer naquele momento. Escolhas e nada mais. Sem culpa.
A culpa nos paralisa e nesse momento de paralisação, a culpa vem com toda força querendo se abrigar. A culpa é de quem? Do vírus, da sociedade, da economia, do presidente, dos pais?
Esgotaremos todas as perguntas e a resposta será o silêncio, ou a percepção de que se trata de uma confluência de fatores que nos levou à situação que hoje vivemos. Mas a culpa não cabe. Nossa família também é assim: uma confluência de fatores que nos levou a sermos quem somos, que nos faz criar nossos filhos com a referência de como fomos criados, e assim, la Nave và.
Mas, quando paramos para refletir de onde partimos, onde estamos e para onde queremos ir, as coisas ficam mais conscientes, menos doídas. E nossa nave, fica menos à deriva em alto mar. Se nos preparamos para intempéries desta grande viagem, culpamos menos os outros pela nossa falta de proteção. E assim, nos tornamos atores de nossa própria história, pais de nossos filhos e cidadãos sociais.
Espero e desejo que esta retomada seja agraciada pelas perguntas e reflexões, para que possamos encontrar meios mais seguros e maduros de lidarmos com a incerteza daquilo que virá, e reconhecermos aquilo que construímos, temos e somos.
Sem precisar nos isolar nos comportamentos extremos, ou de soluções rápidas para encontrarmos refúgio de salvação. Pois talvez nossa salvação se encontre nos mergulhos individuais profundos, identificando e reconhecendo nossos medos e nossas forças, mas a execução disso se concretiza no compartilhamento coletivo e social.